domingo, 27 de fevereiro de 2011

Caraúbas continua como o 'velho oeste'


O município de Caraúbas, distante cerca de 80km de Mossoró, ainda vai levar muito tempo para se livrar do estigma de "velho oeste" que conseguiu ao longo dos últimos anos. Uma pesquisa divulgada no fim da semana passada mostra que a cidade permanece entre as mais violentas do Brasil, quando é feito um cálculo com base no número de mortes e habitantes. Das 100 consideradas mais violentas, Caraúbas é a única potiguar a ser citada. Em estudos anteriores, outras cidades do RN tinham aparecido.

O Mapa da Violência 2011, que é feito pelo Instituto Sangari, conceituada entidade que faz pesquisas sobre o tema segurança pública, foi divulgado na quinta-feira passada e mostra a triste realidade da violência no Brasil entre os anos 1998 e 2008. O estudo é dividido em várias etapas, como homicídios, acidentes de transporte e suicídios, cada um subdividido por situações. No que diz respeito ao número de homicídios por habitantes, Caraúbas ficou na posição de número 92. A mais violenta do Brasil, segundo o estudo, é Itupiranga (PA) e a última entre as 100 é Saquarema (RJ).

O JORNAL DE FATO foi tentar entender o motivo de a cidade oestana continuar sendo apontada como a mais violenta do Rio Grande do Norte e uma das mais perigosas do Brasil. Para o delegado Normando de Lira Feitosa, que trabalhou na cidade entre 2004 e 2007, o resultado da pesquisa está diretamente ligado à rixa entre famílias rivais que moram em Caraúbas e cidades vizinhas. O capitão da Polícia Militar Inácio Brilhante, que trabalhou na cidade por cerca de cinco anos, tem a mesma opinião. Os dois concordam também que os números não mostram a real situação, que "vem mudando".

Na opinião do delegado, a falta de investimento na segurança pública e demais serviços essenciais à população, ao longo dos últimos anos, contribuiu para que a cidade conquistasse esse estigma de "velho oeste". Somado a isso, acrescenta Normando Feitosa, a disputa entre famílias rivais "jogou lá para cima" o número de assassinatos, principalmente no início da década passada, quando várias mortes ocorreram em Caraúbas e outras cidades da região Oeste, fruto dessas disputas. "Infelizmente, esse problema entre as famílias fez que a cidade ganhasse esse destaque nacional", avalia Feitosa.

Normando lembra ainda que mortes por vingança são mais difíceis de evitar, diferente de assaltos, furtos, tráfico de drogas e mortes por outros motivos. Segundo ele, é só aumentar o policiamento que a maioria desses casos é inibida. Porém, no caso dos crimes por encomenda são mais difíceis, situação que se repetiu bastante em Caraúbas nas décadas de 1990 e 2000. "Eu lembro o caso de um crime de pistolagem. Havia duas viaturas bem próximas, mas mesmo assim os pistoleiros executaram uma pessoa. A presença da Polícia inibe muita coisa, mas numa situação dessas não mudou nada", lembra.

O capitão Inácio Brilhante, hoje comandante da Companhia de Polícia Militar de Apodi, também ressalta a dificuldade de evitar crimes de pistolagem, acerto entre inimigos. "É uma questão voltada para a vingança entre eles (membros das famílias rivais). A gente tenta fazer um trabalho ostensivo e preventivo que vem surtindo efeito, mas evitar esses assassinatos não evita", frisa o PM, acrescentando que hoje não vê Caraúbas como uma cidade extremamente violenta. Ele acredita que esses crimes atinjam somente as famílias ligadas e que a população, em geral, não se sente prejudicada. 
 
Briga entre famílias foi destaque no Brasil
 
A briga entre alguns membros das famílias Benevides Carneiro e Simião Pereira não é nenhuma novidade para os potiguares, que há muitos anos convivem com notícias relacionadas a essas duas famílias ou membros de outras famílias de influência na região Oeste.

Porém, o assunto ganhou mais destaque quando o problema entre as duas famílias foi noticiado pela Rede Globo, no programa Linha Direta, um noticiário policial que ia ao ar todas as quintas-feiras e exibiu um capítulo sobre as famílias.

O material foi exibido pela emissora no dia 24 de julho de 2003 e teve um grande impacto no Rio Grande do Norte, principalmente na região Oeste.

A emissora fez a reconstituição da morte do médico João Pereira e do ex-prefeito de Caraúbas Aguinaldo Pereira, ambos assassinados com centenas de tiros, que aliás foi uma das marcas das mortes ocorridas na época.

Logo após a exibição do programa, o conteúdo virou DVD e foi espalhado pelo Rio Grande do Norte, bem como em outros Estados do Nordeste.

Os principais líderes das duas famílias foram assassinados de forma violenta e as investigações feitas na época apontam para ataques e contra-ataques.

Depois da exibição do programa, outras mortes ocorreram e foram atribuídas à rixa.

Uma das vítimas após a reportagem foi Elinaldo Simião Pereira, irmão de João Pereira e Aguinaldo Pereira. No vídeo, Elinaldo fala sobre a briga entre as duas famílias e que estaria marcado para morrer, o que veio a ocorrer anos depois.

Imagem do ‘velho oeste’ vai continuar

Mesmo depois de as mortes envolvendo os membros das famílias rivais praticamente terem desaparecido, a história é dura e continua castigando os caraubenses, que levam a fama de "valentes" por onde andam.

Para o capitão Inácio Brilhante, que conhece bem a cidade assim como várias outras do Rio Grande do Norte, esse título de "mais violenta" é apenas um estigma que a cidade carrega e vai demorar a perder.

O oficial militar se arrisca até a fazer uma análise do comportamento da mídia, que, segundo ele, dá mais destaque aos crimes ocorridos em Caraúbas, perpetuando a imagem de terra sem leis, velho oeste.

"A cidade se destaca muito por esses números (pesquisas divulgadas recentemente que a colocam entre as mais perigosas do Brasil), mas temos cidades na região muito mais perigosas do que Caraúbas. Umarizal, por exemplo, é muito mais perigoso do que Caraúbas, mas pouco aparece", explica o PM.

"Nós temos cidades em nosso Estado que são bem mais violentas do que Caraúbas, mas a imagem que a cidade ficou faz que ela tenha mais destaque. Tudo que acontece na cidade é destaque", acrescenta o oficial militar, que depois de Caraúbas passou por Lajes, na região Central, Campo Grande, no Oeste, e agora está à frente da PM de Apodi.

Para ilustrar seu pensamento, o oficial militar cita o exemplo das mortes que têm ocorrido em cidades da região e enfatiza que Caraúbas tem registrado poucos assassinatos.

Justamente por essa fama de cidade violenta, a segurança do município foi reforçada nos últimos anos. Na opinião do capitão Brilhante, Caraúbas pode ser considerada uma das cidades mais bem policiadas do Rio Grande do Norte, fazendo um cálculo pelo número de habitante e estrutura policial que possui hoje.

A Polícia Civil tem duas viaturas à sua disposição, fato raro de se ver no interior do Rio Grande do Norte, quando a maioria das cidades tem somente uma viatura. Já a PM tem mais três viaturas, sendo uma delas do Grupo Tático Operacional (GTO), que é usado em casos de maior risco.

Fora isso, Brilhante lembra que a cidade tem uma cadeia pública, o que aumenta a segurança do município. "Hoje, ela é uma das cidades mais bem policiadas do Rio Grande do Norte. Temos presídio e polícias bem estruturadas", frisa.

Além do efetivo normal, Caraúbas e outras cidades da região contam ainda com o reforço da Operação Oeste, que é formada por policiais civis e militares e atua reforçando a segurança da região.

Violência cresce em ritmo acelerado
 
A violência no Rio Grande do Norte praticamente quadruplicou entre 1998 e 2008, período que compreende a última pesquisa divulgada pelo Instituto Sangari. No primeiro ano do estudo, foram 223 assassinatos, saltando para 720 no fim do período, correspondendo a uma alta de 222,2%.

O estudo mostra que o avanço da violência no Rio Grande do Norte ocorre de maneira diferente da região Nordeste e do Brasil, esse último totalmente destoante.

O Nordeste registrou um acréscimo de 101,5%, enquanto o número de assassinatos ocorridos no Brasil entre 1998 e 2008 cresceu somente 19,5%.

Em uma década, o Rio Grande do Norte foi palco de 4.240 assassinatos. É o equivalente a 424 assassinatos por ano, mais uma morte por dia.

Em números nacionais, a posição do Estado potiguar também é incômoda. O RN foi o quinto Estado brasileiro na escala dos que tiveram maior crescimento da violência.

O Maranhão foi o primeiro, cujo aumento passava dos 360%. Logo abaixo vêm a Bahia (280,9%), Pará (273%) e Sergipe (226,1%).

Em 1998, o Rio Grande do Norte ocupava a 24a. posição em níveis de violência no Brasil. Porém, dez anos depois, o Estado caiu para a décima nona posição, piorando cinco pontos.
Isso significa que, enquanto alguns Estados investiram mais em segurança e conseguiram reduzir suas taxas de homicídio, o RN ficou para trás.

No período em que compreende os anos de 1998 e 2008, o número total de homicídios registrados no Brasil passou de 41.950 para 50.113, o que representa um incremento de 17,8%, levemente superior ao incremento populacional do período que, segundo estimativas oficiais, foi de 17,2%.

No ano de 2008, com todas as quedas derivadas da Campanha do Desarmamento e de diversas iniciativas estaduais, aconteceram mais de 50 mil homicídios, nível semelhante ao pico de 51 mil homicídios de 2003. Isso representa 137 vítimas diárias, número maior que um massacre de Carandiru a cada dia do ano.

Na década analisada, morreram no Brasil 521.822 pessoas vítimas de homicídio, quantitativo que excede, largamente, o número de mortes da maioria dos conflitos armados registrados no mundo.

Fonte: Jornal de Fato

Nenhum comentário:

Postar um comentário